quarta-feira, 4 de julho de 2012

Céu estrelado


Sempre tive esse medo. Acordar em um quarto sozinha após um pesadelo e não ter alguém para recorrer. Acreditar que aqueles monstros eram verdadeiros e que eles sairiam debaixo da minha cama e me arrastariam para o mundo das trevas...

Era assim que eu via tudo. Via o mundo dos bruxos e da escuridão. Um local onde várias pessoas com cetros gigantescos e bolas de energia negra nas mãos me diriam que eu teria que me juntar a eles ou sugariam minha alma. Quando eu era criança, tinha minha mãe para me confortar, mas isso mudou quando cresci e, principalmente, quando perdi a memória... Os pesadelos e o medo do escuro, no entanto, eram os mesmos da infância.

Naquele dia eu acordei tremendo e sufocando. Mais uma vez. Mais uma vez com pesadelos. Eu já não aguentava mais.

Saí de meu quarto, andei pelo corredor e olhei para o teto. Estava escuro. Eu queria bater no quarto de Seth, correr para perto dele, abraça-lo e esconder-me em seus braços. Queria ficar para sempre ao seu lado. Somente ele conseguia afastar todas as ansiedades e preocupações. Era mais que meu remédio, era meu eterno melhor amigo, irmão e protetor...

Talvez no fundo do meu coração eu já soubesse que era muito mais do que apenas isso. Passei pela porta de seu ateliê e notei uma silhueta na varanda, observando a lua crescente no céu. Eu sabia que Seth odiava a lua, portanto era tão engraçado vê-lo quieto olhando para ela...!

- Você está bem? – perguntei.

Seth deu um salto e olhou para trás, assustado. Provavelmente não ouvira meus passos no corredor e jamais imaginara que eu poderia acordar e ir até ele.

- O que você está fazendo acordada?

- Você não respondeu minha pergunta.

Ele se virou de frente para mim. Percebi mais ou menos sua expressão, apesar de ser difícil ainda naquele escuro.

- Acenda a luz.

Ele estava desconversando de novo. Era melhor deixar quieto.

Apertei o interruptor e o quarto se encheu de luz, iluminando todos os seus quadros maravilhosos e também o seu rosto sério na varanda. Ele não abriu um sorriso para mim, continuou sério, observando-me. Quando nossos olhos se encontraram ele desviou para um ponto fixo atrás de mim.

- Então? Porque acordou? – perguntou finalmente, quando cheguei mais perto.

- Outro pesadelo.

- Tem certeza de que está tudo bem em dormir sozinha? Já é o terceiro que você me fala.

- Eu sei... – disse a ele, observando o luar.

Ele me observou por um tempo. Quando olhei de volta, voltou a se apoiar na divisória da varanda e olhar para o céu. As luzes das estrelas estavam espetaculares. Resolvi fazer o mesmo que ele e respirar fundo enquanto via o espetáculo de cores. Os monstros do pesadelo, ou melhor, o monstro, já começava a ir embora só por estar em sua presença e poder olhar para tão maravilhosa paisagem.

- Isso acalma tanto – eu disse a ele.

- Por incrível que pareça, algo no céu noturno também me acalma de vez em quando. Essas estrelas são muito bonitas. Eu adoraria pintá-las.

- Nunca vi você pintando o céu noturno – falei com sinceridade.

- Eu sei – ele abriu um sorriso. – Mas hoje ele parece mais bonito.

- Por isso estava observando tão atentamente?

Ele riu e não me respondeu. Tentei tomar aquilo como um sim, porque seu silêncio me provou que ele não diria muito mais do que aquilo.

- Sinto-me solitárias às vezes com esses seus trabalhos de ficar indo e vindo pela floresta.

- Desculpe-me. Tenho que fazê-lo.

- Ainda sinto sua falta.

- Desculpe.

- Pelo menos podemos ficar este tempo juntos.

- É... – disse ele mais uma vez bem curto com as palavras. Eu não gostava quando ele fazia aquilo. Queria dizer que Seth estava escondendo uma centena de pensamentos e sentimentos.

- Fale mais alguma coisa! – exclamei de repente, dando uma batinha fraca em seu ombro esquerdo.

- Hum?

- Não se faça de desentendido.

Ele riu alto. Aquilo era muito engraçado vindo dele. Geralmente Seth era sério, mas às vezes tinha aquela estranha risada de que era a pessoa mais feliz do mundo, além dos olhos brilhantes e cheios de vida.

- Acho que isso é um tipo bom de reação – tentei comentar como se não me importasse, apesar de minhas bochechas corarem muito.

- Sério? – perguntou ele, piscando um dos olhos.

Eu queria bater nele.

- Pare de desconversar! Você só está fazendo isso.

- Está certo. É que estou pensando muito.

- Podia colocar os pensamentos em palavras – observei.

- Não... São muito vergonhosos – disse ele, ainda com aquele sorriso maravilhoso nos lábios. Ele olhou para o céu, correu os olhos pelas estrelas, então caiu sentado no chão. Seus olhos encontraram os meus e ele sorriu ainda mais. - Às vezes a felicidade pode custar caro. Um momento de alegria, outro de solidão.

- Mais uma vez você não está expondo de verdade seus pensamentos.

- Será?

Soltei um resmungo irritado. Eu queria saber o que ele pensava tanto.

- Tentei explicar com mais palavras.

- Às vezes me pergunto se é certo tudo o que mais queremos que aconteça acontecer em alguns momentos, porque pode trazer ainda mais solidão e desilusão mais tarde. Uma luz que chega, vai embora de repente. É como a noite que cai, mas sem estrelas.

Pude entender pelo menos um pouco. Não sabia a origem daqueles pensamentos, mas era sempre assim com Seth. Era sempre assim comigo. Nós éramos sempre estranhamente parecidos em momentos e pensamentos aleatórios, principalmente nos tristes e filosóficos. Talvez nos sentíssemos sempre da mesma maneira.

- Acho que entendo isso... Eu estava saindo do meu quarto agora pouco e desejando muito ver você por causa de meu pesadelo, e eis que você estava aqui. Se não estivesse, eu me sentiria ainda mais solitária.

- O mesmo para mim.

- Sério?

- Estava desejando que você aparecesse. Eu queria te ver... Quando vi o céu estrelado, só pensei em você aproveitando esse momento comigo. Eu sei o quanto você também gosta de paisagens bonitas.

- É... – sorri, deixando meu corpo escorregar até eu estar sentada ao seu lado, olhando também para as estrelas.

- Expus pelo menos parte do que eu estava pensando. Feliz agora?

- Acho que sim – respondi com sinceridade, voltando a olhar para ele.

Nossos olhos se encontraram novamente, mas dessa vez, ele não os desviou, nem eu o fiz, porque não havia real necessidade. Era apenas um diálogo mudo, ou uma maneira estranha de dizer o que sentíamos... Apesar de eu ainda não entende-lo. Tudo o que eu conseguia ver era como seus olhos azuis eram os mais lindos que existiam. Conseguia enxergar a beleza de seus sentimentos, como os seus olhos tinham a estranha intensidade do quanto ele se importava comigo. Seu sorriso me traduzia também o quanto aquele momento era especial para ele. Eu não queria nunca desviar o olhar, queria continuar vendo seu sorriso e seus olhos doces, tão cheios de amor.

Ele os fechou de repente e se aproximou de mim. Seus lábios tocaram minha testa e ficaram ali por um tempo. Então ele deitou sua cabeça sobre a minha e, se aquilo já não fosse estranho demais, nossas mãos se encontraram e seus dedos entrelaçaram-se aos meus.

Não preciso dizer qual foi minha reação. Meu coração, minha respiração, meu rosto, meus sentimentos... Eu fiquei confusa. Verdadeiramente confusa. Eu não entendia porque eu gostava tanto quando ele ficava perto. Não entendia porque gostava tanto da sensação de sua mão segurando a minha, ou do modo como seus dedos se encaixavam entre os meus. Era tudo melhor do que um sonho.

Escorreguei minha cabeça para seu ombro e aquilo fez com que sua mão soltasse a minha apenas para envolver meus ombros em um abraço e segurá-la mais uma vez. Um calor inundava meu coração e um sorriso brilhava em meus lábios.

Fiquei observando nossas mãos dadas e não conseguia deixar de sorrir. Eu gostava daquilo. Gostava demais daquilo.

Ficamos assim por muito tempo. Ele não disse mais nada, eu também não disse mais nada. Acabei adormecendo... Acordei no dia seguinte em minha cama e fiquei me perguntando se aquele momento havia realmente acontecido...

Quando desci para o café da manhã, Seth havia saído e, quando voltou, estava meio quieto. Cheguei a conclusão que fora um sonho. Um estranho e maravilhoso sonho. Só descobri anos mais tarde que aquilo realmente acontecera.

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